quinta-feira, 25 de junho de 2015

Magos, Escolas de Magia, e o Problema dos Magos Especialistas

Quase que instintivamente, todo mundo sabe o que é um mago. E eu já falei aqui uma vez sobre as escolas de magia do D&D.

Illusionist Mas o D&D utiliza não só o conceito de escolas de magia, como também o de magos especialistas em uma ou outra dessas escolas. Basicamente, um mago especialista seria um mago focado em uma área de atuação mágica, seja ilusões, seja necromancia, seja adivinhação, ou qualquer outra das escolas.

O Players Handbook do AD&D 1ªed trazia apenas o ilusionista como opção de mago especialista, e o tratava como uma classe à parte, muito similar mas distinta do mago, e com sua própria lista de magias. E isso porque as próprias magias ainda não haviam sido categorizadas em escolas (o que só veio a ocorrer com Dragonlance), assim o ilusionista precisava ter uma lista separada de magias.

Mas essa ideia de uma classe especifica deixava a desejar, pois não cobria os gostos de quem queria um mago especialista em outra área que não ilusão.

O AD&D 2ªed usava uma lógica diferente, todos os magos especialistas utilizavam uma mesma fórmula: ganhavam magias extras da sua escola principal, e eram proibidos de fazer magias de algumas outras escolas (geralmente duas, às vezes três escolas), e recebiam alguns modificadores nos testes de resistência tanto das magias sofridas quanto das magias lançadas. Nessa época as magias já eram categorizadas por escolas, e não eram necessárias listas de magias específicas, o que tornava esse método viável.

O D&D 3.x usava uma lógica similar ao do AD&D 2ªed: magias extras da escola escolhida e escolas proibidas. A 4ªed do D&D, como de costume, a gente pula e finge que não existe, já que quase não possui compatibilidade com as demais edições.

E por fim chegamos ao D&D 5ªed, onde o mago generalista foi extinto, e todos os magos são especialistas, recebendo algumas habilidades únicas de acordo com a escola de especialização. Mas ainda que hajam algumas vantagens para aprender e lançar as magias da escola de especialização, não há nenhuma restrição quanto às demais escolas ou a quais magias o mago pode conjurar. A opção do D&D 5ªed é bastante parecida ao modo com que o Old Dragon lida com isso: especialistas são especializações (no contexto do sistema) de mago (necromante e ilusionista), que conferem habilidades únicas relacionadas ao tema da especialidade, sem restringir as capacidades comuns da classe mago.

Eu não sou um grande fã da abordagem do D&D 5ªed e do Old Dragon nesse assunto, pelo simples fato de que, cada uma à sua maneira, elas extinguem o mago genérico. O D&D 5ªed pelo fato de que realmente não existem mais magos generalistas, sendo a especialização obrigatória - mas nada impede o especialista de só conjurar magias de outras escolas. E o Old Dragon pela razão de que ainda que a especialização não seja obrigatória, o mago não perde nada por optar por especialziar-se, apenas recebe benefícios, mas não há nenhum benefício em o mago continuar generalista - e mesmo se especializando nada impede o especialista de só conjurar magias de outras escolas, assim como na atual edição do D&D. Em defesa do Old Dragon, ao menos o sistema tem a desculpa das magias não serem oficialmente categorizadas em escolas.

kartandtinki1_necromancer-wallpaper_14De todas as abordagens ao mago especialista, a que mais me agrada é mesmo a do AD&d 2ªed. Todos os especialistas utilizam a mesma estrutura de regras para serem criados, existem algumas vantagens relacionadas à especialização (principalmente magias diárias extras da escola de especialização), alguma obrigação a ao menos parte das magias conjuradas serem da escola de especialização (pela mesma razão do quesito anterior), mas também existem limitações que fazem com que o mago generalista ainda seja uma opção tão boa quanto um especialista (a proibição dos especialistas de conjurar magias das escolas opostas).

Mas esta abordagem não é isenta de seus problemas. A maior crítica sempre foi que as regras de mago especialista desta edição não permitiam uma adequada caracterização do arquétipo, exceto em níveis muito altos (uma crítica geralmente direcionada ao necromante, já que Criar Mortos-Vivos era uma magia de 5º círculo, e todo mundo que monta um necromante geralmente quer é fazer mortos-vivos aos montes). A outra crítica é de que existia muito pouca diferença entre um mago generalista e um especialista.

Em relação à primeira crítica, eu entendo que não é um problema da estruturação da classe, mas sim da lista de magias. Se o mago focado em conjurar magias de uma única escola não cumpre o quesito de representar o arquétipo da escola, o problema está nas magias que ele está conjurando. Isso é algo que fica claro quando olhamos para a lista das magias da escola de necromancia no Livro do Jogador do AD&D 2ªed: essa escola tem apenas 18 magias, e apenas algumas delas realmente evocam o que geralmente vem à mente quando se pensa em necromantes.

Para se ter uma ideia de como 18 magias é pouco, nessa edição um mago de 20º nível é capaz de conjurar até 37 magias em um único dia; um especialista conjura uma a mais por círculo, ou seja, até 46 magias - o suficiente para conjurar cada magia da escola duas vezes e ainda sobrarem 10 magias a serem lançadas!

Já no que diz respeito à segunda crítica, ela é só parcialmente verdade. Eu concordo que, se um mago generalista decidir conjurar magias apenas de uma escola, ele torna-se muito parecido com um mago especialista - mas, sinceramente, não existe muita razão para um mago generalista restringir suas escolhas dessa maneira. No entanto, um especialista possui restrições de escolas que limitam suas escolhas, e magias extras que obrigatoriamente devem ser utilizadas com magias da escola de especialização. Isso faz com que, ainda que mecanicamente as classes sejam muito similares, sua atuação em jogo torna-se um tanto distinta, já que uma das coisas que mais colaboram para tornar dois magos diferentes é justamente seus repertórios de magias.

Claro que se pode argumentar que o mago especialista, apesar de ter algumas escolas proibidas e obrigatoriamente as magias extra terem de ser da escola de especialziação, o restante das magias ele pode escolher à vontade, podendo ser das demais escolas liberadas. Mas aí também vale o que eu comentei a respeito do mago generalista, só que ao contrário: se um jogador optou por criar um mago especialista, deveria ser porque ele quer jogar com esse arquétipo, e não há muitos porques de ele ficar selecionando magias que fogem do arquétipo.

Water elementalistMas com certeza, selecionar magias que reforcem o arquétipo pretendido só é possível se essas magias existirem. E aí retornamos ao problema da crítica número 1: a lista de magias.

Sempre há também aqueles que defendem que os magos especialistas deveriam receber habilidades especiais, "poderes extras" por assim dizer, relacionados à sua escola de especialização, mas eu não concordo com essa ideia. Se o mago generalista não recebe nenhuma habilidade extra além das magias que conjura, não vejo razão para especialistas o receberem. Se o especialista fosse restrito a conjurar exclusivamente magias da sua escola de especialização, ainda vá lá. Mas caso contrário, dar habilidades especiais distintas para o mago especialista é apenas seguir o princípio do "esta classe tem de ser mais poderosa só porque está sendo criada depois" - um modo já tradicional de tentar tornar classes novas mais atraentes que as classes antigas, não através de um conceito legal, mas sim através de eficiência mecânica.

Assim, eu acredito que todo (ou quase todo) o problema dos magos especialistas se resuma à lista de magias do jogo. Para permitir a existência de especialistas no sistema, o jogo tem de oferecer uma ampla gama de magias de todas as escolas, divididas razoavelmente entre todos os círculos de magia, e com magias que representem adequadamente os conceitos associados a cada arquétipo de mago especialista.

A 3ªed do D&D quase resolve esse problema: as magias do Livro do Jogador estão muito mais bem distribuidas entre as diversas escolas (apesar de algumas vezes  usar meios "artificiais" para atingir esse objetivo, como trocar a escola de algumas magias em relação ao AD&D mesmo sem que isso faça muito sentido). Mesmo assim, para algumas escolas ainda faltam magias com o "clima" adequado. Com os suplementos e livros opcionais, tanto o AD&D e o D&D 3.x minimizam esse problema, mas ainda assim com algumas ressalvas (as magias que mais evocam o termo "necromante" no AD&D estão no The Complete Book of Necromancers, enquanto no D&D 3.5 encontram-se no Book of Vile Darkness, ambos livros que na verdade são voltados ao mestre a à construção de NPCs); além de que esta não é a melhor das opções - é horrível ter de ficar folheando dezenas de livros para escolher magias.

Por isso, no meu AD&D 3.5 eu estou tentando seguir exatamente por esta linha: os magos especialistas partem todos de uma mesma base, bastante similar ao mago generalista, mas ao mesmo tempo a lista de magias é completa e evocativa o suficiente para que, utilizando apenas as magias de sua escola de escolha, o mago especialista torne-se claramente um representante do arquétipo.

E a ideia é tornar a lista de magias do livro não apenas completa no sentido de possuir uma boa gama de magias de todas as escolas em todos os círculos, mas também de fazer que entre estas magias hajam muitos efeitos icônicos, que evoquem a escola ao qual pertencem, de tal forma que os arquétipos de magos especialistas sejam satisfeitos através destes. E é aí que mora a dificuldade.

10 comentários:

  1. ponto interessant, mas sobre os necromantes é mas comuns eles serem os antagonistas da história.

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    1. Concordo que necromantes tem mais o perfil de antagonistas do que de personagens de jogador. Ainda assim, é de longe o tipo de mago especialista com o qual eu mais vi pessoas querendo jogar.
      De qualquer maneira, seja como personagem de jogador, seja como NPC, a classe deve ser funcional dentro do sistema.

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  2. No ADD quando se era um mago especialista, esse sofria muito com a restrição das escolas proibidas. Se você deixar de escolher duas escolas, já restringe muito as opções do mago, deixando o especialista com poucas magias e na verdade não acredito que valia a pena ser um especialista.

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    1. Eu acho que não valia também ,mas justamente porque as opções de magia de algumas escolas eram brutalmente melhores do que de outras. Alteradores geravam personagens bastante poderosos no AD&D, enquanto Adivinhos e Necromantes eram bastante fracos. Mas especialistas lançavam uma quantidade razoavelmente maior de magias, o que sempre é útil.

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  3. Acredito que uma forma fácil de resolver o problema dos sistemas mais recentes que usam os especialistas como "classes de prestígio" quase, dando poderes e outras coisas seria tornar o mago generalista não o modo "normal", mas sim uma classe também com poderes.

    Seria igualar pra cima o nível de poder, mas com certeza uma forma mais tranquila e divertida pra todos de se jogar. Se o cara quer ter um mago que faça de tudo ele também deveria ganhar habilidades que o ajudassem nisso.

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    1. Como eu comentei na postagem, eu acho essa uma péssima saída. Apenas dar mais poderes e habilidades a uma classe, quando os problemas associados a ela podem ser solucionadas por um meio já existente no sistema, apenas serve para inflar o jogo e escalonar o nível de poder geral do sistema (em resumo, tornar uma classe mais forte, simplesmente força a ser necessário aumentar o nível de poder das outras classes pra "equilibrar" as coisas).

      Dar poderes extras ao mago generalista só torna-se uma opção viável a sistemas onde deve-se abandonar a classe básica para assumir outra classe (como as especializações do OD ou as classes de prestígio no D&D 3.5), colocando as habilidades extras em níveis mais altos, não atingidos por quem opta por trocar de classe.

      Caso contrário, fazer o mago generalista não ser a classe "normal" é o mesmo que extinguir a classe básica - seja por torná-la um kit, seja por torná-la uma classe secundária muito mais poderosa (o que traz outro monte de problemas atrelados).

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  4. Boa abordagem. Para ser sincero, eu quase nem me lembrava mais dos magos especialistas, tamanha a escassez.

    Agora, se me permite uma dúvida, esta abordagem poderíamos ampliar para os sacerdotes de mito específico - excetuando os poderes especiais? Sinceramente, nunca entendi muito bem esta parte da classe.

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    1. Uhmmm, ... de certo modo sim. Mas a questão dos sacerdotes de mito específico é bem mais complicada que a lista de magias.
      É uma boa questão a sua, e acho que ela merece uma postagem por si só.

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  5. Eu prefiro a ideia do OD/D&D 5 e conceder habilidades unicas aos especialistas, mas creio que deveria haver um caminho generico, tipo Arquimago, que teria outras vantagens mais genéricas.

    ahhhh! Mais um ótimo post Mestre Sartora! Show!

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    1. O D&D 5ªed (que nem existia ainda quando escrevi essa postagem!)tem uma lógica diferente: todas as classes tem uma gama de caminhos especializados dentre os quais um deve ser obrigatoriamente escolhido e seguido. Aí sim, deveria existir um caminho do mago genérico também, além dos caminhos especializados nas escolas.

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