(ou “Não, Você Não Pode Jogar Nem Com o Conan, Nem Com o Wolwerine, Muito Menos Com o Batman”)
Uma das coisas mais chatas que alguém pode fazer em uma mesa de RPG é uma personagem demasiado auto-suficiente. Sabe o cara que vem pra mesa com uma idéia de personagem que é bom em combate, furtivo, acrobático, manda bem socialmente, sabe se virar sozinho no meio do mato, e se tiver como manja de magia arcana (ou consegue viver sem a ajuda dela) e ainda consegue se curar sem ajuda externa?
A menos que seja um jogo solo, só jogador e mestre, um jogador que decide montar uma personagem assim é uma das coisas que mais me irrita como mestre. Primeiro porque ele dificulta o jogo para o mestre, já que praticamente não existem desafios para ele, ele faz de tudo e nada o surpreenderá, a menos que o mestre apele para o absurdo. Isso torna o jogo chato, e a pior coisa que alguém pode fazer em um jogo de RPG é torná-lo chato para o mestre. Um jogo chato para o mestre invariavelmente se tornará um jogo chato para todos.
Segundo, personagens assim tornam o jogo dos demais companheiros de mesa chato, porque eles deixam de ser necessários. Quando se joga em um grupo é esperado que cada membro do grupo tenha alguma função, que cada um seja importante a seu modo, em sua especialidade. Isso é ainda mais reforçado no D&D, pelo uso dos arquétipos (as classes). Se existe no grupo alguém que cobre todas as funções, que faz o papel de todos os arquétipos, rapidamente esse alguém tomará o controle da situação para si, ficando sob os holofotes e resolvendo tudo sozinho, enquanto os outros apenas assistem.
Se o cara é tão habilidoso assim e consegue fazer tudo sem a ajuda de ninguém, qual a razão que o leva a se afiliar a um grupo afinal? Ele quer platéia para ver como ele não precisa de mais ninguém para sobreviver?
Outra situação igualmente chata é quando, em um jogo em grupo, um jogador tendo ou não conseguido montar uma personagem totalmente auto-suficiente, decide ser o “lobo-solitário”. O cara encasqueta que quer ser independente dos companheiros, que quer resolver tudo sozinho, se afasta o tempo inteiro do grupo, e o mestre fica obrigado a perder horas rolando ações apenas para o personagem dele enquanto o restante das pessoas tem de ficar papeando e tomando Coca-Cola, só assistindo ao outro jogar.
Quando isso acontece uma vez ou outra, ótimo, é legal que toda personagem tenha seu momento solo, para mostrar todas as suas habilidades em separado. Se o jogador decide que vai passar a jogar sem o grupo, marcando sessões em separado só ele com o mestre, a exemplo de Robert Kuntz e seu famoso guerreiro Robilar, também está ok. O problema é querer agir sem o grupo sempre, e no meio da sessão com os demais jogadores presentes e querendo jogar!
O falso independente também é legal. O cara que posa de lobo-solitário, que diz que prefere agir sozinho, que não precisa do resto, mas na verdade está lá sempre com o grupo. Ele é uma opção de roleplay que não estraga a diversão dos demais. Eventualmente ele terá suas escapadelas solo, mas não vai transformar isso no padrão, mantendo o jogo divertido para todos.
Até é compreensível o porquê de alguém querer montar um personagem assim. Afinal, os filmes, livros e quadrinhos estão cheios de exemplos deles, e costumeiramente eles são personagens muito legais. No entanto, é bom entender que nem tudo o que funciona em outras mídias vai funcionar também numa campanha de RPG.
Então, da próxima vez que for criar um personagem para um jogo e bater aquela vontade de fazer o “Batman”, pense um pouco sobre isso tudo e em como seu personagem vai impactar a diversão de todos.