Apesar de todo mundo saber o que é um arco e uma flecha, a coisa complica um pouco quando temos nosso primeiro contato com o D&D e seus arcos curtos, longos, simples e compostos, e suas flechas de guerra e de caça.
A verdade é que a coisa não é mais simples do que parece, e o fato é que o D&D simplifica e bastante o assunto. Mas mesmo assim, tentarei fazer um apanhado geral sobre as diferenças dos vários tipos de arcos e flechas. Para manter as coisas mais simples, vou me ater apenas àquilo que de certo modo é relevante para o que é mostrado no D&D básico, sem adentrar muito em regionalismos e construções modernas (exceto quando necessário, claro).
Para compreender os diversos tipos de arcos é necessário entender um pouco sobre a construção de um arco, e para isso vamos começar com a corda. Tradicionalmente a corda de um arco podia ser feita de fibras vegetais, como cânhamo e linho, seda, tendões, intestinos, ou couro cru, trançados para aumentar a resistência e tensão. É comum a corda de um arco ser encerada para maior proteção.
Uma extremidade da corda possui um laço permanente formado no trançamento das fibras, mas na outra extremidade o laço era feito com um nó. Este nó servia para ajustar o comprimento da corda e o tensionamento do arco. Era comum os arcos serem guardados sem a corda e não-tensionados.
Quanto aos arcos propriamente ditos, não há um sistema padronizado de classificação aceito pelos historiadores, mas para facilitar podemos dividi-los de acordo com seu material de construção e sua forma. Também para simplificar, vou utilizar termos em inglês, pela simples falta de correspondentes adequados em português para alguns deles.
Quanto ao material, um arco pode ser self, composite ou cable-backed.
Self bow: trata-se de um arco feito de uma peça inteiriça de madeira. Madeiras diferentes produzem arcos de qualidades diferentes. Podiam ser construídos em um dia de trabalho, e ficavam prontos após uma semana deixando a madeira secar. Os longbows ingleses eram self bows.
Composite bow: um arco composto é um arco feito de mais de um material. A construção mais comum é madeira, chifre e tendões. Ao invés de uma peça de madeira inteiriça, eram utilizadas várias partes separadas, com um reforço de chifre no centro pela parte de dentro, e tendões na parte de fora do arco por todo o comprimento; tudo isso preso por cola animal. O uso de diferentes materiais aumenta a força do arco, pois aproveitas as diferentes qualidades dos materiais para reforçar as características desejadas no arco. No entanto o arco levava muitos dias para ser construído, meses secando, e era suscetível a umidade devido à cola.
Há ainda quem diferencie um composite bow (arco composto) de um laminated bow (arco laminado), os dois sendo arcos construídos com mais de um material, mas o composto sendo o de construção tradicional, e o termo laminado sendo usado apenas para arcos modernos de construção diferente.
Cable-backed bow: um arco inteiriço de madeira, com um cabo trançado preso ao lado de fora do arco. O cabo aumentava a força do arco e aliviava a tensão sobre a madeira, o que permitia fazer bons arcos com madeira de qualidade não tão boa. É uma construção típica em determinadas tribos indígenas.
Detalhe de um cable-baked bow.
Quanto à forma do arco as variações já são bem maiores, mas vamos tratar apenas das mais comuns:
Straight bow: um arco reto, o que quer dizer que sem a corda tensionado-o ele não possui curvatura alguma, exceto as deformações causadas pelo uso ou naturais da madeira. Self bows e longbows costumam ter esse formato.
Recurve bow: a grande maioria dos composite bows possuia essa forma. Basicamente, um arco recurvo é aquele cujas extremidades curvam-se para longe do arqueiro quando a corda está colocada, de modo que a corda sempre toca um pedaço do braço do arco quando a corda não está sendo tracionada. Ao ser tracionado, o retorno da curva à sua posição original adiciona mais força ao tiro do que em um arco reto de mesmo tamanho. Isso permitia arcos menores e preferíveis para usar em florestas e a cavalo, quando armas grandes tornam-se desajeitadas.
Um arco recurvo.
Reflex bow: é o arco cujos braços curvam-se para longe do arqueiro ao longo de seu comprimento. Sem a corda o arco inteiro curva-se para fora, na direção oposta à que normalmente fica tensionado, assumindo uma forma de “C”, o que diferencia ele de um arco recurvo, no qual apenas as pontas curvam-se para fora. Sua forma causa grande stress ao material, mas também adiciona muita força ao tiro, permitindo arcos bem pequenos com muita potência. No entanto, o material e a construção precisam ser excelentes; arcos com alto nível de reflexão quase sempre eram arcos compostos, e este era o tipo de arco utilizado pelos exércitos mongóis.
Um arco desse tipo é praticamente impossível de ter sua corda atada caso não se conheça a técnica correta, e é comum interpretar a forma em “C” do arco erroneamente e atar a corda no lado errado do arco, o que o arruinaria ao tentar utilizá-lo. Alguns acreditam que o arco de Ulisses na Odisseia de Homero fosse um reflex bow.
Reflex bow antes e depois de atada a corda.
Decurve bow: arco cujas extremidades dos braços curvam-se em direção ao arqueiro. Esta construção reduz bastante a tensão sobre o arco, de forma que ele pode inclusive ser mantido com a corda atada a todo tempo sem prejuízo. Esta forma reduz a força do tiro, mas permite construir arcos funcionais mesmo sem haver material de boa qualidade a disposição.
Compound bow: este só esta aqui por uma única razão, que é desfazer uma confusão comum. O compound bow é um arco moderno, que utiliza cabos, alavancas e polias para aumentar a força do tiro. Este arco só foi criado em 1966, e antes disso os termos composite bow e compound bow eram igualmente utilizados para designar arcos compostos (feitos de mais de um material). Em português, o compound bow continua sendo chamado de “arco composto”, mesmo não o sendo, o que gerou no Brasil o mito de que não existiam arcos compostos na Idade Média, e que eles aparecerem na lista de armas do D&D seria absurdo.
Longbow: um arco longo é um arco cujo comprimento é no mínimo igual ao de quem o usa, e frequentemente maior do que isso. Geralmente trata-se de um arco reto (straight bow) e de material inteiriço (self bow), mas arcos longos levemente recurvos não eram incomuns.
Flatbow: um arco reto, com braços largos, cuja seção transversal é retangular. Normalmente possuia uma empunhadura central mais estreita, roliça, que não se curva. É mais dificil de ser construído que um arco de seção transversal arredondada, mas distribui melhor a tensão na madeira, permitindo arcos de madeiras mais fracas. Em geral eram também longbows.
Asymmetric bow: um arco assimetrico é aquele cujos braços não possuem o mesmo comprimento a partir da empunhadura (ou seja, a empunhadura do arco não fica no centro deste). Este formato é útil para o uso a cavalo.
É importante notar também que várias destas características podem aparecer em um mesmo arco. Assim, pode-se ter um asymmetric recurve reflex bow.
Um asymmetric reflex recurve bow.
É também interessante notar que não existe nada que seja classificado especificamente como um shortbow, ou arco curto. Basicamente, tudo que não seja um longbow pode ser considerado como um arco curto.
Neste vídeo, o Sr. Lloyd faz algumas considerações interessantes a respeito do famoso arco longo inglês, e também do uso de arcos em geral:
No vídeo ele consegue deixar bem claro porque não se usa um arco horizontalmente, ou porque move-se o corpo e não os braços para alterar o ângulo do tiro, já que se utiliza a musculatura do peito para dar mais força à puxada.
Por enquanto é só. Na segunda parte desta postagem eu falarei um pouco sobre as flechas. Então, aguardem mais alguns dias!