Geralmente eu toco isso aqui sozinho, mas hoje vou abrir uma exceção.
Meu amigo
Vitor Nadino escreveu algumas divagações a respeito do funcionamento da magia
Reverter Gravidade no
Old Dragon, mostrando o que alguém com certa paciência e boa memória das aulas de Física do colégio pode fazer para tornar uma magia aparentemente simples em uma arma de destruição em massa devastadora.
Então, fiquem com o texto do Vitor:
REVERTER GRAVIDADE EM OLD DRAGON
A magia Reverter Gravidade é uma das magias mais legais em termos de roleplay. Quando bem usada ela permite não apenas tirar inimigos de combate e causar algum dano por queda, mas também que os personagens possam chegar a lugares inacessíveis com um pouco de criatividade.
Porém a maneira como ela é descrita no manual do Old Dragon deixa margem a um uso um tanto abusivo desta magia. Ela foi obviamente projetada para ser usada em dungeons, onde existe um teto, mas e se ela fosse usada em campo aberto?
Não existe uma indicação sobre um “teto” para o efeito da magia, logo supõe-se que ela afete tudo numa coluna de base determinada pela área da magia e altura infinita. Numa dungeon a distância de “queda” é definida pela altura da construção, mas o que acontece se não houver um teto?
Para responder essa questão vamos recorrer à boa e velha física. Não precisa nada muito especializado: a cinemática do ensino médio, e algumas informações da
Wikipedia devem resolver.
Em primeiro lugar precisamos determinar alguns parâmetros. O primeiro deles é a aceleração da gravidade, já que é sobre ela que a magia atua. O valor mais correto seria de 9,8 m/s², mas vamos arredondar para 10m/s² para facilitar os cálculos (meu professor de física sempre fazia isso, então não deve dar muita diferença).
→ g = 10 m/s²
O segundo parâmetro é dado pela própria magia, que é o tempo de duração. Ela diz que a magia dura 1d4 turnos + 1 turno por nível. Como o nível mínimo de mago que é necessário para ter acesso a essa magia (círculo 7) é 13, então o tempo mínimo de duração é 14 turnos. Como cada turno equivale a 6 segundos o tempo mínimo de efeito dessa magia é de 84 segundos, ou 1min24s.
→ tmagia = 84 s
Agora nós precisamos determinar um alvo e como ele será afetado ao longo da magia. Vamos definir o nosso alvo como Grunk, um solícito orc que sempre está ávido em ajudar nos nossos experimentos mágicos e servir como cobaia, principalmente quando está amordaçado e acorrentado.
Quando a magia for conjurada na área onde Grunk está, a gravidade que antes o prendia ao chão irá arremessá-lo para cima. Ele irá subir, aumentando a sua velocidade em 10 m/s a cada segundo. No entanto, o ar atmosférico exercerá uma força contrária até que ele atinja a velocidade terminal, quando a força gravitacional e a força de atrito com o ar são iguais. A partir daí ele subirá em velocidade constante até que a magia acabe.
Depois que a magia acabar a gravidade voltará ao normal, puxando Grunk de volta para baixo. Mas antes de descer ele vai continuar a subir com uma velocidade cada vez menor até parar no ar por um instante e começar sua queda vertiginosa. Após começar a cair ele vai acelerar até chegar novamente à velocidade terminal, para terminar a queda em velocidade constante até o chão, onde uma confortável cama de plumas aguarda para, talvez, amortecer a sua queda.
Então a subida e descida de Grunk pode ser dividida em 5 fases:
Fase 1: Gravidade revertida. Subida acelerada até a velocidade terminal.
Fase 2: Gravidade revertida. Subida em velocidade terminal até o fim da magia.
Fase 3: Gravidade normal. Subida desacelerada até a altura máxima.
Fase 4: Queda acelerada até a velocidade terminal.
Fase 5: Queda em velocidade terminal até o chão.
Assim sendo, vamos começar a calcular o destino do pobre Grunk. Para isso vamos precisar de algumas fórmulas conhecidas dos vestibulandos e candidatos do ENEM.
Fórmula 1: s1 = s0 + v0t + ½ . at² (Movimento Acelerado)
Fórmula 2: s1 = s0 + vt (Movimento Uniforme)
Fórmula 3: v1 = v0 + at (Movimento Acelerado)
Onde:
s → posição relativa ao chão, em metros
v → velocidade, em m/s
a → aceleração, que é igual a g.
t → tempo, em segundos
Fase 1: começa a subida.
Nessa fase Grunk vai subir cada vez mais rápido até atingir a velocidade terminal. Segundo a Wikipedia a velocidade terminal de um paraquedista fica em trono de 54 m/s. Vamos arredondar para 50 m/s. Também segundo a mesma fonte essa velocidade é atingida em 15 segundos.
→ v1 = 50 m/s
→ t1 = 15 s
Como a gravidade está invertida vamos usar a aceleração da gravidade com o sinal negativo:
→ grev = -10 m/s²
Assim, usando a fórmula 1 nós podemos obter a distância que Grunk subirá na primeira fase. Mas para usar essa fórmula nós precisamos de v0, a velocidade inicial. Bom, se Grunk estava acorrentado e quietinho a velocidade inicial dele é 0. A posição inicial, tomando o chão como referência, também é 0.
→ v0 = 0 m/s
→ s0 = 0 m
Assim sendo:
s1 = s0 + v0t + ½ . at²
s1 = 0 + 0.20 + ½ . (-10).15²
s1 = ½ . (-10) . 225
s1 = ½ . (-2250)
→ s1 = -1125 m
Resultado da fase 1: Grunk sobe por 15 segundos até a altura de 1125 metros, atingindo a velocidade de 50 m/s.
Fase 2: a subida continua.
Agora Grunk continua subindo, puxado pela gravidade invertida, mas a força da gravidade e o atrito do ar se igualam. Assim ele vai subir para o céu em velocidade constante até que a magia acabe. Como já se passaram 15s, nós sabemos que a magia vai durar por mais 69 segundos.
→ t2 = 69s
Como esse é um movimento constante vamos usar a fórmula 2. A velocidade terminal deve ser usada com o sinal negativo, já que ele está subindo:
s2 = s1 + v1t2
s2 = (-1125) + (-50).69
s2 = -1125 – 3450
→ s2 = -4575 m
Resultado da fase 2: Grunk continua subindo até uma altura de 4575 metros até que a magia acaba.
Fase 3: gravidade normalizada.
Neste momento a gravidade volta ao normal e Grunk começa a ser puxado para baixo. Mas ele não vai cair imediatamente, antes ele vai continuar a subir, cada vez mais devagar até atingir a altura máxima.
Nós sabemos a velocidade inicial desta a fase (-50m/s) e a altura inicial (-4575m). Também sabemos que agora a gravidade deve ser escrita com o sinal positivo, pois já voltou ao normal. E sabemos que, no final dessa fase, a velocidade dele vai ser 0. Mas queremos saber quanto tempo ele ainda vai continuar subindo e qual a altura máxima que ele vai chegar.
→ v2 = -50 m/s
→ s2 = -4575 m
→ g = 10 m/s²
→ v3 = 0 m/s
Primeiro o tempo, que podemos obter com a fórmula 3:
v3 = v2 + at
0 = -50 + 10 . t
50 = 10t
→ t3 = 5 s
Agora, com o tempo, podemos calcular a altura máxima usando novamente a fórmula 1:
s3 = s2 + v2t3 + ½ . at3²
s3 = -4575 + (-50).5 + ½ . 10.5²
s3 = -4575 – 250 + ½ . 250
s3 = -4575 -125
→ s3 = -4700 m
Resultado da fase 3: 5 segundos após o fim da magia, Grunk atinge a altura máxima de 4700 metros e então começa a cair. Se esse experimento fosse feito ao nível do mar isso seria mais alto que muitas montanhas por aí.
Fase 4: começa a queda.
Agora Grunk irá seguir o curso normal da natureza e cair. Nessa fase ele irá cair por 15 segundos até atingir a velocidade terminal.
s4 = s3 + v3t + ½ . at²
s4 = -4700 + 0.t + ½ . 10.15²
s4 = -4700 + ½ . 2250
→ s4 = -3575 m
Resultado da fase 4: Grunk, que estava a 4700 metros, despenca até 3575 metros.
Fase 5: Poft!
E finalmente, Grunk desce os mais de 3 mil metros em velocidade constante de 50 m/s até o chão onde, esperamos, haja algo para amortecer sua queda. Sabemos sua velocidade e sabemos onde sua trajetória irá parar. Queremos saber quanto tempo isso vai levar.
Como é um movimento em velocidade constante usamos a fórmula 2:
s5 = s4 + vt
0 = -3575 + 50.t
3575 = 50t
→ t = 71,5 s
Resultado da fase 5: Grunk termina sua queda após 71 segundos e meio de descida em velocidade terminal.
Resultados finais: Com o fim do experimento (e aparentemente de Grunk também) podemos concluir uma série de coisas.
1- Orcs são excelentes cobaias depois que você os acorrenta e amordaça.
2- Depois que a magia Reverter Gravidade é conjurada em campo aberto os alvos vão demorar 175 segundos para subir e cair. Isso dá 2 minutos e 55 segundos ou pouco mais de 29 turnos. Isso é claro, se for conjurada por um mago de 13º nível.
3- A altura máxima que os alvos vão alcançar gira em torno de 4.700 metros a partir do chão. Novamente considerando um mago de 13º nível.
4- Com um raio mínimo de 16 metros, que resulta numa área mínima de 800m², um mago pode colocar uma tropa inteira no ar e ficar observando por 29 turnos enquanto eles sobem e caem, se estatelando no chão.
5-Se a razão de 1d6 de dano a cada 3 metros for respeitado sem um teto limite o dano por queda pode facilmente ultrapassar mil d6. Como a velocidade terminal é alcançada em torno de 1000m eu sugiro um teto máximo de 300d6 de dano por queda. Ainda dá pra matar quase qualquer coisa.
6-Nós não consideramos o efeito da reversão de gravidade sobre o ar. Na prática o que mantém o ar próximo do solo é a gravidade então o efeito mais grave dessa magia é sugar todo o ar da área afetada direto para o espaço. À medida que o ar das redondezas se move para preencher o vácuo ele também é arremessado para o espaço. E quando o ar se move ele pode arrastar coisas e pessoas para dentro da área da magia potencialmente criando um funil de vento que arremessa tudo para cima.
E antes que alguém me diga, eu não sou físico, então os meus cálculos podem, e provavelmente vão, estar errados. Isso é só uma tentativa muito superficial de avaliar algumas consequências dessa magia, já que ela deixa alguns parâmetros em aberto.
Agora, com licença que eu preciso juntar o Grunk.
Alguém me traga uma espátula!