domingo, 2 de maio de 2010

O “Humanocentrismo” do D&D

O Dungeons & Dragons, como foi originalmente concebido, é altamente humanocêntrico. Isso é, quase tudo no jogo gira em torno dos humanos, e eles são a base e parâmetro para praticamente todas as coisas do jogo.

Em relação ao próprio sistema de jogo, temos vários exemplos. A categoria de tamanho “médio” das criaturas é o tamanho dos humanos. Os valores de atributos não são um sistema absoluto, mas sim relativo, onde o valor médio de cada um dos diferentes atributos é representado pela média humana nos mesmos. Da mesma forma, cada raça não-humana recebe modificadores em seus atributos, tanto positivos quanto negativos, de acordo com a comparação em relação a esta média humana.

A categoria de tamanho das armas também é baseada na relação destas com um ser humano. Uma arma é grande quando um humano precisa usá-la com as duas mãos, média quando uma mão é necessária, e pequena quando é leve e rápida para um humano.

A maioria dos cenários mais antigos também não foge a essa regra. Mesmo que haja a presença de raças inteligentes não-humanas, algumas vezes até de forma expressiva, a raça dominante nos mundos é a humana. As maiores cidades, os maiores reinos, os grandes impérios, são todos humanos, e os seres humanos são a esmagadora maioria da população mundial.

Quem já viu as edições mais recentes do D&D nota claramente que muitos desses conceitos mudaram ao longo do tempo, se não todos. Só que muitas vezes, essas mudanças ocorrem de forma estranha, sem que as bases sobre as quais eles foram construídos sejam alterados. Isso gera situações meio engraçadas.

Vejamos, por exemplo, o caso das armas. No D&D 3.5 todas as armas possuem estatísticas para versões “pequenas” e “médias”. Mas, quando olhamos uma “espada longa pequena” e uma “espada curta média” percebemos que não há diferença nenhuma entre elas, nem mesmo na descrição (ambas são espadas de lâmina reta com o mesmo tamanho). E porque isso acontece? Simplesmente porque elas são exatamente a mesma arma! Será que havia a necessidade de construir as duas categorias (“espada curta média” e “espada longa pequena”)? Um tipo de arma muda de nome de acordo com quem a está empunhando (sem entrar em questões culturais aqui)?

Esse humanocentrismo não significa que não possa haver lugar para os não-humanos nos cenários, muito pelo contrário, sempre houve espaço para as cidadelas anãs nas montanhas, povoados élficos nas florestas, e vilas de halflings nas colinas. A diferença é que em cenários mais antigos é subentendido que esses povos não estão em pé de igualdade com os humanos. Suas populações são menores, e suas comunidades são locais exóticos e “distantes”. Já em edições mais recentes (o D&D 4ªed principalmente) quase todas as figuras mostram grupos onde os não-humanos superam os humanos em número, ou ao menos se equiparam a estes. Os não-humanos são colocados em um patamar de igualdade dentro do jogo.

Eu penso que esse humanocentrismo influi no estilo do jogo. Que parte do feeling old school está nessa dominância humana do cenário em oposição à raridade, uma qualidade quase misteriosa e mística, dada às raças não-humanas.

9 comentários:

  1. Como eu sempre digo, se eu for jogar 4ªed vou matar metade do grupo gritando: "Morra monstro maligno!" Por isso, não daria certo. Mas nas outras edições sou a favor dos meio-elfos hah! xD

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  2. Essa observaçãoé muito interessante,embora não seja algo surpeeendente. É importante salientar que esses jogos são escritos sob a perspectiva de vida dos humanos,e somos o padrão métrico que temos como referencia. Portanto,é perfeitamente compreensivel o 'humanocentrismo' de jogos de rpg feito por humanos e para humanos

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  3. Acredito que o feeling old school se reflete não apenas no humanocentrismo do sistema e de seus cenários, mas também na existência limitada de raças disponíveis aos jogadores (por volta de seis além dos humanos, dependendo do cenário). Do meu ponto de vista, esse tipo de limitação garante uma previsibilidade desejável na criação de personagens e em sua integração com o grupo de aventureiros, mas, sobretudo, permite ao mestre ter maior controle sobre seu próprio mundo. Fico imaginando como será um jogo de 4a edição que permita o uso de todas as raças. Deve ser algo muito difícil de conduzir...

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  4. Alguns cenários, como Planescape, permitem um maior número de raças para jogadores. Mas isso não se caracteriza como um problema, já que o "mundo" a ser explorado compreende infinitos universos, onde o próprio humanocentrismo é descartado. Agora, em cenários mais conservadores como Dragonlance ou Forgotten Realms, que inclusive foram retratados em diversos romances, fica muito complicado expandir o leque de raças.

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  5. Acho que a questão principal nem é a quantidade de raças disponíveis, mas sim o quão "comuns" indivíduos dessa raça são em relação à população humana do cenário.

    Veja só, mesmo grandes aventuras espaciais, como Star Wars ou Star Trek, onde várias raças são presentes, raramente alguma raça é mais frequente do que os humanos, e raramente se vê vários individuos de uma mesma raça juntos fora de sua "comunidade natal".

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  6. @INapta_Tsuki

    Aconteceu isto comigo em uma aventura nestes game days da vida. Quando o grupo estava quase derrotado pelos monstros, eu fugi.

    Todos acharam estranho, mas eu era o único elfo do grupo, que não tinha nenhum humano ou criatura humanóide com a qual eu me identificasse.

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  7. Em uma aventura de 4e, meu anão clérigo fugiu para salvar outra pessoa.

    Ao ver um outro anão sendo massacrado por um Dire Boar (é isso, estávamos em 1o nível), meu anão, montado em seu valoroso pônei de guerra, se aproximou por trás do amigo e o agarrou pela armadura. Puxou o cara até fora da zona de combate e depois voltou para ajudar o resto do grupo a deixar o lugar (onde se concentravam outros inimigos).

    Tudo isso pra ouvir um membro do grupo dizer que eu havia quebrado a estratégia de ataque conjunto e que um grupo desfalcado (sem todos os roles) não dava conta de passar por encontros... Peraí. Então quer dizer que eu tinha que deixar o cara apanhando só porque ele podia usar uns healing surges? Tudo bem, podem argumentar que é a mecânica do jogo, mas é isso que, do meu ponto de vista, atrapalha as coisas. Daí minha picuinha com a 4e.

    Estou acostumado com jogos em que a morte é uma realidade, e se você não bota o rabo entre as pernas uma vez ou outra, vai ficar criando personagens ad infinitum. Além disso, considero que minha ação deixou meu anão mais "humano", ou seja, o cara sentiu mesmo que um membro do clã estava prestes a morrer e optou por salvá-lo. Que se danem os combos de powers! Meu personagem tem vida!

    Pelo visto eu passei longe do tópico do post! Mas é isso, uma discussão puxa a outra. E para não perder a oportunidade, deixo um link para uma revista australiana voltada para D&D clássico e bem apropriada para retroclones. O primeiro número já está disponível e pode ser baixado de graça.

    Até.

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  8. Igor, não sei bem quais as chances de vc ler e eventualmente responder um comentário num post tão antigo, mas vou tentar.

    Concordo com vc que a proposta do D&D, seja intencional ou não, é que o cenário padrão seja humanocêntrico.

    Mas vc concorda que os grupos de aventureiros dos jogadores parecem que fogem desse padrão?

    Me lembro de que já no AD&D, os grupos acabavam tendo uma maioria de não-humanos, exatamente porque os players gostavam de diversificar.

    Nunca vi nada de errado nisso, mas me parece pouco verossímil quando a proposta inicial do jogo é que as aventuras sejam jogadas num mundo onde a ampla maioria é humana.

    Acho que isso ficou ainda mais forte na 3ed, pq os benefícios mecânicos de um humano não eram tão bons quanto das outras raças...

    Abraços!

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    Respostas
    1. As chances de eu ler e responder são grandes, acredite! ;)

      Então, quanto ao seu questionamento, eu vejo muito gente comentar isso, mas as experiências que eu tive sempre foram contrárias a esta opinião. Meus grupos sempre tinham maioria esmagadora de personagens humanos, geralmente apenas um ou dois semi-humanos.

      Mesmo no D&D 3.x eu e meu grupo sempre fomos da opinião de que a vantagem humana do feat extra era imensamente melhor que qualquer outra habilidade das raças semi-humanas, mecânicamente falando. Juntando isso ao fato de que meus grupos naturalmente demonstram uma preferência por personagens humanos, a frequência de semi-humanos sempre foi baixa nas minhas mesas. Eu até mesmo torço para que algum jogador monte um semi-humano para dar mais diversidade racial no grupo!

      Agora, eu imagino que no D&D 4ed sim seja bem mais frequente ter personagens não-humanos do que humanos. Só não posso afirmar porque não jogo esse sistema.

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