Recentemente, o Brasil e o mundo encararam uma nova “vampiromania” (digo “nova” porque eu me lembro de quando foi lançado o filme Entrevista com o Vampiro), graças à série de filmes Crepúsculo. Esse ano parece que a coisa já está abrandando, mas ano passado estava a todo vapor. E eu devo confessar que não saí ileso dessa febre. Só que os meus vampiros são de um outro tipo, bem diferente.
Um livro que sempre tive vontade de ler, mas nunca havia lido, é Drácula. E graças a minha namorada que me deu o dito cujo de presente, ano passado pude colocar um fim a essa falha na minha cultura literária. O livro escrito por Bram Stoker em 1897 narra a vinda do vampiro Conde Drácula da Transilvânia para a Inglaterra, o horror que ele causa, e a caçada do vilão por Abraham Van Helsing novamente até o leste europeu. O interessante deste livro é, primeiro, a forma como é escrito; trata-se de um romance epistolar, isto é, ele é feito de forma a parecer uma junção de cartas, notícias de jornal, trechos de diários, telegramas, e outros fragmentos de texto, que juntos formam a história completa. Isso dá um estranho sentido de veracidade à narrativa. O segundo fator interessante é que, ainda que não seja a primeira obra sobre vampiros, é uma das que mais marcou o gênero.
No entanto, muitas das concepções “clássicas” que temos acerca de vampiros, e que muitas vezes pensamos ser derivada deste livro, na verdade são derivadas das diversas adaptações cinematográficas desta obra, principalmente do expressionista Nosferatu de 1922 e de Drácula de 1931.
Graças a isso, ler esse livro é muito interessante, pois mexe com várias das nossas concepções mais comuns sobre o vampiro, sem que isso no entanto seja fruto de criações em obras modernas (como vampiros que brilham ao Sol), mas sim estando presente no clássico dos clássicos sobre vampirismo.
Em Drácula, Bram Stoker nos apresenta um vampiro que é um gênio manipulador e terrível, um monstro sem nenhum sinal de humanidade. Conde Drácula é cínico e amoral, ditador, e sem nenhum vestígio de sentimentos nobres. No livro, não é seu amor por Mina que o traz à Inglaterra, mas sim o desejo da ampliação de sua área de caça. Ele usa Mina, e acaba por estabelecer uma forte ligação com ela, mas não se apaixona pela moça em momento algum. Drácula não é humano, é um morto vivo monstruoso, sem problemas de consciência ou conflito entre seu lado humano e seu lado monstro (afinal, não há mais nenhum lado humano).
O monstro também apresenta muitas características diferentes do senso comum: durante o dia, ele não “dorme”, mas sim entra em um estado de catatonia, onde apesar de paralisado ele pode estar ciente do que ocorre à sua volta. O livro descreve Drácula deitado em seu caixão de olhos abertos, completamente estático, parecendo morto, mas curiosamente, ele possui calor corpóreo e respira como um ser vivo, apesar de não o ser.
Esse estado de paralisia diurna é comum aos vampiros, mas aqueles muito velhos são capazes de lutar contra ele e agir normalmente durante o dia. O próprio Conde é visto pelas personagens do livro em um parque em pleno dia em uma ocasião. E sim, isso implica que em Drácula vampiros não são afetados de forma alguma pela luz do Sol. Essa idéia do vampiro sendo morto pelo Sol possivelmente seja uma das heranças que o filme Nosferatu nos deixou.
As fraquezas de Drácula são em essência três: sua dependência por beber sangue humano, que o rejuvenesce e fortalece; a necessidade de dormir na terra de seu túmulo, de longe a maior de suas fraquezas; e sua suscetibilidade aos símbolos religiosos.
Ele também possui diversos poderes, como andar nas paredes, virar névoa, transformar-se em animais como morcego e lobo, controlar feras e animais daninhos (não se limitando apenas a lobos, morcegos e ratos, mas incluindo também aranhas, moscas, pulgas, etc), e muitas outras. Em um ponto do livro Van Helsing lista várias habilidades que um vampiro pode possuir, algumas muito estranhas para nosso conceito comum, como a habilidade de diminuir de tamanho para passar por espaços minúsculos.
Mas a habilidade mais interessante de Drácula talvez seja seu controle sobre a mente de suas vítimas. É verdade que na maior parte do tempo ele utiliza sua influência mental sobre pessoas mentalmente suscetíveis (como Reinfiled, paciente de um sanatório, e Lucy em seu estado de sonambulismo), mas parece ser capaz de fazê-lo facilmente sobre qualquer um de quem se alimenta. Sua influência também não se limita a um simples estado de comando temporário, muito pelo contrário. É quase um estado permanente, sendo capaz de controlar quando quiser aqueles a quem domou a mente. Mais do que isso, o vampiro cria uma ligação permanente com sua vítima e parece ser capaz de ver e ovir tudo aquilo que ela presencia. A ligação entre vampiro e vítima é tão forte que o inverso também acaba sendo possível, ainda que suas vítimas não tenham consciência disso (Van Helsing utiliza-se de hipnose em Mina para saber os passos do Conde).
Enfim, um livro muito interessante, cheio de boas idéias para tornar os vampiros de seus jogos um pouco mais desafiadores e surpreendentes para o seus jogadores, sem precisar fugir do esteriótipo clássico. E tudo isso mantendo o vampiro um monstro verdadeiro, e não meramente um humano que bebe sangue e com crise existencial.