Lendo o Manual of the Planes original, publicado para a primeira edição do AD&D em 1987, no prefácio escrito por Jeff Grubb encontrei um trecho muito interessante:
"One of the basic assumptions of this tome is that what has been written in the past is true, and our job is to explain it. The chief reason is that the AD&D system is a living and dynamic system that is built upon the foundation of its past. While the game can absorb any amount of new material, casting off pre-existing material often damages the system. My purpose is to reveal the mysteries of the AD&D game without voiding a majority of them."
Numa tradução livre para o português:
"Uma das premissas básicas deste tomo é que tudo aquilo que foi escrito no passado é verdadeiro, e nosso trabalho é explicar isso tudo. A principal razão é porque o sistema AD&D é um sistema vivo e dinâmico que é construído sobre as fundações do seu passado. Ao mesmo tempo em que o jogo é capaz de absorver qualquer quantia de material novo, descartar o material pré-existente muitas vezes danifica o sistema. Meu propósito é revelar os mistérios do jogo AD&D sem invalidar a maioria deles."
É um trecho curto do prefácio, mas é uma parte bastante reveladora de como o jogo era pensado à época. E também, eu acho que dá um bom insight sobre game design e como novos materiais para um jogo de RPG devem ser criados.
Primeiramente, Jeff alega que o AD&D "é um sistema vivo e dinâmico". Ele se refere ao jogo como Advanced Dungeons & Dragons, mas poderia muito bem estar falando do D&D como um todo, em todas as suas encarnações (ou de qualquer RPG, na verdade). Isso é verdade em muitos níveis diferentes: o jogo tanto é "vivo e dinâmico" de forma que cresce e muda com a adição de house rules por mestres e jogadores em suas mesas particulares (algo que deve incentivado e não coibido), quanto o é quando novas adições e certas alterações são feitas ao ser lançada uma nova edição do jogo.
Deste modo, ao incentivar a adição de house rules pelos jogadores, isto serve como uma forma destes adequarem o jogo a seus gostos e interesses pessoais, encorajando os jogadores a manterem-se fiéis ao jogo mesmo quando há coisas nele que eles não gostem, já que eles podem mudar o que bem entenderem e "corrigir" as falhas que enxergam no jogo. Ao mesmo tempo, deixa claro que alterações no sistema ao longo das edições é algo natural e inevitável, conforme novos materiais são criados e novas ideias são incorporadas ao jogo.
Ao mesmo tempo, o Sr. Grubb esclarece que, por mais que o jogo seja capaz de absorver qualquer material novo, qualquer nova visão ou forma de encarar o jogo, ignorar o que já foi feito e descartar material antigo é uma má ideia e pode ferir o jogo de forma mais profunda do que se imagina, muito mais do que apenas "desequilibrar" o sistema.
A forma mais simples e óbvia em que isso é verdade é na questão da retrocompatibilidade. Se as mudanças são profundas demais, pode-se tornar todo material antigo inútil, fazendo com que toda a coleção de livros de um jogador antigo torne-se totalmente obsoleta, o que geralmente não deixa nenhum consumidor feliz.
De uma forma talvez menos clara, ignorar em excesso o "passado" do jogo pode resultar em mudanças tão profundas neste que ele perde a identidade, tornando-se algo completamente diferente do que era em sua origem, e possivelmente desagradando irremediavelmente aos fãs do jogo.
De certa maneira, é exatamente isso o que ocorreu com a 4ª edição do D&D: o jogo foi alterado tão profundamente que não parecia mais o D&D, apesar do nome. No fim, por melhor que se possa alegar que esse novo sistema fosse, essa decisão de alterar a base do jogo mostrou-se uma ideia ruim, pois afastou grande parte da base de fãs e impactou no sucesso comercial do jogo, permitindo que a concorrência (Pathfinder, alguém?) abocanhasse a fatia do mercado criada pelos órfãos da edição anterior do D&D.
A 5ª edição do D&D, por sua vez, bebe um pouco da sabedoria de Jeff Grubb e se inspira nas edições mais antigas, "construindo sobre as fundações de seu passado", e traz muitos elementos clássicos do D&D de volta, ainda que seja um jogo completamente novo, cheio de novas ideias e conceitos. E isso parece ter dado um bom resultado, reaproximando antigos jogadores e recuperando o interesse geral no jogo.
Às vezes, ler os livros de RPG antigos da minha prateleira traz conhecimentos interessantes que vão muito além das coisas diretamente ligadas com os mundos de fantasia ou as regras que descrevem.
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