James Maliszewski, do Grognardia, postou um editorial de um periódico de 1982, a edição número 6 do Interplay: The Metagamer Dialogues, publicado por uma empresa de jogos que a muito encerrou suas atividades.
Escrito pelo dono da empresa, Howard Thompson, o editorial era intitulado “Requiem for a Golden Age”, e basicamente é um lamento do editor pelo fim do que ele considerou “A Era de Ouro” do RPG.
Não vou copiar aqui o editorial inteiro (quem quiser lê-lo pode visitar o Grognardia através do link no inicio desta postagem), mas há algumas considerações que eu gostaria de fazer sobre o texto.
Primeiro de tudo, é curioso notar que, sem nenhuma conexão com este editorial, muita gente hoje em dia considera o início dos anos 1980 como o fim da “Era de Ouro” do RPG.
Abaixo, estão algumas passagens do texto que ue selecionei, sobre as quais farei algumas considerações:
“Gone are the days when game companies were more concerned about the quality of their game's play than anything else. (…) What we have now in adventure gaming is the Age of Consumerism. I know it has arrived. (…) Quality no longer matters, only name recognition has any relevance at that point. For a business that's the Holy Grail. Your product becomes divorced from any concept of quality, utility or value. (…) All that will be available will be a sprinkling of new items carefully tailored for the mass market Consumer. (…)”
[Tradução: “Perdidos estão os dias em que as empresas de jogos estavam mais preocupadas com a qualidade de seus jogos do que com qualquer outra coisa. (…) O que nós temos agora nos jogos de aventura é a Era do Consumismo. Eu sei que ela chegou. (…) Qualidade não importa mais, somente o reconhecimento da marca tem qualquer relevância a partir deste ponto. Para os negócios este é o Santo Graal. Seus produtos se tornaram divorciados de qualquer conceito de qualidade, utilidade ou valor. (…) Tudo que será disponibilizado será uma enxurrada de novos itens cuidadosamente produzidos para o mercado de massa. (…)”]
Bem, não precisa nem comentar muito sobre essa parte do texto. Ele está falando da década de 1980 e da indústria de jogos de RPG em geral, mas ao ler, a sensação que eu tenho é de que foi escrita para nossos dias e especificamente para o D&D. Toneladas de materiais e suplementos lançadas em curtos períodos de tempo, construídos de forma a visar a necessidade do consumo e não verdadeiras obras criativas. E a marca “D&D” é mais importante do que a continuação da tradição do jogo, pois o jogo foi totalmente remodelado, quase ao ponto do irreconhecimento, tornando-se totalmente sem valor ou utilidade para quem jogava a edição anterior.
“For a few years in the 70s there existed a desire for and acceptance of a mental and social activity unperverted by Consumerist traits. (…) Those new to gaming will never know the spirit, the feel of what has passed. A Golden Age is gone and you missed it. (…) Those early gamers were leaders. The current crop of gamers, ever far more numerous, are mostly followers. (…) Consumerism destroyed a thing that I and many others valued. It has made adventure gaming just another product to be bought by the unknowing, uncaring, masses. (…) If you're a Consumerist I guess you just never think about it. Those of us who've gamed for several years have witnessed the passing of an age. That time and feeling will never be again. I feel a sense of loss for what was. I also feel a resentment against the destructive power of consumerism to level something that was special to me. Hopefully, something of the old age and spirit will survive. If it does it will have to divorce itself from the Consumer branch of gaming. (…)”
[Tradução: “Por uns poucos anos na década de 70 existiu um desejo pela aceitação de uma atividade mental e social intocada por características Consumistas. (…) Aqueles novos no jogo nunca irão conhecer o espírito, a sensação do que passou. Uma Era de Ouro acabou e você a perdeu. (…) Aqueles jogadores antigos foram líderes. A leva atual de jogadores, mesmo mais numerosa, são em sua maioria seguidores. (…) O Consumismo destruiu uma coisa que eu e muitos outros estimávamos. Isso tornou os jogos de aventura em apenas outro produto a ser comprado pelas massas ignorantes e insensíveis. (…) Se você é um Consumista eu suponho que você nunca pensou sobre isso. Aqueles de nós que tem jogado por muitos anos testemunharam a passagem de uma era. Este tempo e essa sensação nunca mais voltarão. Eu tenho uma sensação de perda pelo que passou. Eu também sinto ressentimento contra o poder destrutivo do consumismo por afetar algo que era especial para mim. Entretanto, algo do espírito da velha guarda talvez sobreviva. Se isso acontecer, irá se divorciar do braço Consumista dos jogos. (…)”]
Esses trechos claramente demonstram o ressentimento do autor com a mudança na visão das empresas de jogos, mas a parte importante que eu quero salientar aqui é o trecho final: “(…) Entretanto, algo do espírito da velha guarda talvez sobreviva. Se isso acontecer, irá se divorciar do braço Consumista dos jogos. (…)”. Bem, a Old School Renaissance está aí, e também de forma curiosa, uma das principais características que se nota na OSR é a tendência a produzir materiais Open Source. Se isso não é um divórcio da mentalidade consumista, considerando todo o trabalho que dá escrever um jogo de RPG (eu sei, estou fazendo isso!), então eu não sei o que é.
Claro que há vários pontos do editorial que são mais e menos acertados, mais um grito de protesto do que uma análise do mercado de jogos. Mas apesar de tudo, parece que o Sr. Thompson tinha uma boa compreensão do mercado de jogos e da natureza da comunidade de jogadores.